sábado, maio 13, 2006

A perigosa linguagem dos números

A ministra da Educação classificou de excessivo o peso dos salários no orçamento do ministério, no momento em que se procede ao habitual concurso de colocação de docentes, desta feita para valer por três ^ anos e com quase 123.000 candidatos. Esse excesso, recorde-se, resulta, segundo números da OCDE recentemente divulgados, de um peso de 93 por cento dos salários relativamente à totalidade da massa monetária em apreço, quando a média respectiva dos outros países se fica pelos 75 por cento. Esta relação tanto pode ser alterada pela diminuição do número de assalariados como pelo aumento do orçamento, mantendo o valor global dos salários. Ou, ainda, se se quiser, pela diminuição do valor dos salários, mantendo inalterável o orçamento e o número dos contratados. Nunca se usou tanto a linguagem dos números para documentar opiniões e sustentar teorias, procurando com isso fazer passar a ideia de que as argumentações são sólidas, tendo tão pouco presente o aforismo de Bertrand Russell, segundo o qual "a matemática é a única ciência exacta em que nunca se sabe do que se está a falar nem se aquilo que se diz é verdadeiro". Voltemos à tese inicial da ministra da Educação (e da OCDE): 93 por cento para salários e sete por cento para o resto é um desequilíbrio mau; 75 por cento para salários e 25 por cento para investimento é um equilíbrio melhor. Provavelmente sim. Provavelmente não. A mesma fórmula resulta disparatada se aplicada por igual a uma escola de Timor (onde falta tudo) e a uma escola da Suíça (onde já sobra muito). Outro exemplo? A estafada invocação de que Portugal é dos países que mais dinheiro consagra à Educação. Talvez sim, ou talvez não. É que essa afirmação resulta sustentável por referência percentual ao produto interno bruto. Mas já o caso muda de figura se repararmos que temos um produto baixíssimo e sete por cento de 100 são sete, enquanto cinco por cento de 300 são 15. Outro exemplo ainda? O Governo teria cometido a proeza, que a sua central de propaganda não cessa de nos vender, de ter baixado o défice de 6,8 para seis por cento. Mas quem assim fala serve-se de quê? De uma previsão do governador do Banco de Portugal que, de tão dramaticamente repetida, acabou retida pela opinião pública. Comparar uma previsão com um exercício efectivo é um disparate. Mas tem sido feito. Quando comparamos o que é comparável, o défice não diminuiu, aumentou. Com efeito, o défice de 2005, cifrado em 6,02 por cento, só pode ser comparado com o de 2004, de 5,2 por cento (descontadas as receitas extraordinárias). E a isto acresce que o actual Governo conseguiu os 6,02 com um aumento brutal de impostos. Querem maior evidência de mau desempenho? O anterior é uma demonstração clara da possível manipulação dos números. Mas pior que isso é a pura ignorância maliciosa da sua expressão, para mentir. Lá vai exemplo: até à náusea tem sido propalada a ideia de que temos uma insustentável percentagem de funcionalismo público, por referência aos activos totais. As estatísticas oficiais da União Europeia dizem o contrário. Dizem que essa percentagem se cifra em 17,9 por cento, comparada com 33,3 da Suécia, 30,4 da Dinamarca, 28,8 da Bélgica, 27,4 do Reino Unido, 26,4 da Finlândia, 25,9 da Holanda, 24,6 da França, 24 da Alemanha e por aí fora. Em toda a Europa, só dois países têm menos funcionários públicos que nós, por referência à totalidade dos activos. São o Luxemburgo (16 por cento) e a Espanha (17,2 por cento). Uma palavra agora para a resignação algo acéfala que vamos evidenciando perante as teorias económicas de organismos internacionais. É o caso da OCDE, que já cansa. Se muito tem de aceitável, muito tem de questionável. Recordam-se da chamada directiva Bolkenstein, em boa hora barrada (por enquanto), segundo a qual os trabalhadores do espaço europeu seriam pagos nos países da prestação do trabalho segundo os valores praticados no país de origem (um canalizador suíço e um canalizador polaco, ambos a trabalhar na Suíça e a fazer exactamente a mesma coisa, poderiam ganhar o primeiro 20 e o segundo dois)? Pois bem, a OCDE aplaudia. Têm presente o CPE de Villepin (tratamento completamente desregulado dos jovens à procura do primeiro emprego) retirado por força da indignação que suscitou? Pois a OCDE defendia-o com paixão. Para concluir esta passagem pela utilização da linguagem dos números, seria bom que tivesse tido mais relevo algo que o nosso primeiro- ministro constatou numa visita que recentemente fez a uma escolinha da sua celebrada Finlândia. Desmistificar-se-iam, assim, representações erradas da realidade. Nessa escola há um professor para cada 11 alunos e um segundo para coadjuvar o trabalho do colega, sempre que apareçam crianças com necessidades especiais; cada aluno tem o seu próprio computador; o custo do ensino é completamente suportado pela autarquia (materiais e refeições inclusas). Portugal não é a Finlândia. Mas não é bonito mistificarem-se dados, divulgar uns e outros não.

Professor do ensino superior
SANTANA CASTILHO
8 Maio 2006 - Publico

2 comentários:

henrique santos disse...

Caro Paulo
permita-me que o elogie pelo conteúdo do post. Depois de ter num post anterior apresentado números sobre o orçamento da Educação e a interpretação conveniente da senhora Ministra da Educação, vem agora fazer um exercício de desmontagem, dos números, das interpretações, etc. São post destes que valem a pena. Pela informação e pelo exercício do raciocínio crítico demonstrado.
Obrigado.

Paulo disse...

Agradeço embora por lapso o nome do autor deste artigo seja de SANTANA CASTILHO - Publico. Facto vou ja corrigir. O seu a seu dono.
Obrigado